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Um sinal de rendição

Por Nancy DeMoss Wolgemuth

A escravidão é um conceito que resistimos no Ocidente. Mal podemos engolir a ideia de ser um servo, mas a palavra escravo fica atravessada na garganta – como deveria, se estivéssemos falando de escravidão forçada ou involuntária de alguém que, contra a sua vontade, é propriedade de outra pessoa. Essa é uma relação repugnante entre dois indivíduos, ambos criados à imagem de Deus.

Mas é absolutamente apropriado que os seres humanos escolham ser escravos do Senhor Jesus, a quem amam e desejam servir por toda a vida.

O vigésimo primeiro capítulo de Êxodo inclui uma longa lista de regulamentos sobre os servos hebreus. Entre eles, há um cenário dramático (Ex. 21: 1–2, 5–6) que ilustra vividamente o que significa ser um escravo no sentido espiritual.

Às vezes, judeus atingidos pela pobreza eram forçados a se vender como servos de outros judeus. A lei de Deus exigia que todos os servos fossem tratados com justiça e bondade, e que fossem libertados ao fim de seis anos.

Nesta passagem, temos uma descrição de uma opção incomum oferecida a um servo que havia cumprido sua obrigação com seu mestre e que estava prestes a ser liberto da servidão.

O servo estava livre para sair. Nesse caso, porém, durante seus anos de serviço ele havia desenvolvido um relacionamento forte e amoroso com o mestre, sua esposa e seus filhos, e não desejava ser liberto do serviço ao seu mestre. Provavelmente, ele o admirava e estava agradecido pelo tratamento e pela provisão que recebera― tanto que queria continuar servindo na casa dele.

Um compromisso por toda a vida

O servo conhecia seu mestre muito bem e confiava que tudo o que precisaria seria provido;  ele estava seguro de que nunca lhe faltaria comida, abrigo, roupas ou quaisquer outras necessidades básicas.

O servo não tinha obrigação de ficar, mas queria ficar – ele amava seu mestre e fez uma escolha voluntária para se tornar escravo dele. Ao fazer isso, ele não estava apenas se inscrevendo para mais um período de seis anos – estava assumindo um compromisso vitalício. Ele estava desistindo de todos os seus direitos e se rendendo – permanentemente – ao seu mestre.

Este não era apenas um acordo contratual. Não se tratava de ser um funcionário ou empregado. Esse era o ato de um homem que voluntariamente disse a alguém que conhecia, que amava e em quem confiava: “Sou seu – pertenço a você e quero passar o resto da minha vida servindo-o”.

Não havia segredo sobre a natureza do novo relacionamento do servo com seu mestre. A transação era realizada em uma cerimônia pública em que a rendição era reconhecida de maneira visível e dolorosa. Um instrumento afiado era usado para furar a orelha do servo, significando obediência à voz de seu mestre.

A decisão era irreversível. A partir desse momento, ele sempre seria marcado como um escravo. . . sempre teria um furo na orelha para lembrá-lo de que não era seu, e nunca mais seria.

O retrato realizado

Em nenhum lugar nas Escrituras ou nos registros históricos antigos encontramos um único exemplo no qual um servo fez essa escolha referida em Êxodo 21. Então, por que Deus sugeriu esse cenário?

Como muitos outros retratos no Antigo Testamento, acredito que este tem como propósito nos apontar para Cristo e retratar nosso relacionamento com Ele.

O Novo Testamento nos diz que, quando o Senhor Jesus veio a esta terra, Ele tomou “a forma de um servo [doulos – a forma mais baixa de escravo]” (Filipenses 2: 7). Em obediência à vontade de Seu Pai e por amor a Ele – e pela noiva e família que Seu Pai lhe dera – Ele se humilhou e se ofereceu como escravo, para que pudesse libertar aqueles que estavam escravizados pelo pecado (Hebreus 2: 10-18).

Falando profeticamente da morte expiatória de Cristo, o salmista escreveu: “Sacrifício e oferta não pediste, mas abriste (ou furaste) os meus ouvidos (ou orelhas)…Tenho grande alegria em fazer a tua vontade, ó meu Deus.”  (Salmo 40: 6, 8).

No Novo Testamento, os apóstolos Pedro e Paulo, juntamente com Tiago e Judas (ambos meios-irmãos do Senhor Jesus), seguiram os passos daquele Grande Escravo quando cada um se identificou como um doulos – um servo, escravo de Jesus Cristo. Paulo disse: “Eu carrego no meu corpo as marcas do Senhor Jesus” (Gálatas 6:17). O que ele estava dizendo? “Sou um homem com um furo na orelha. Sou o escravo de Jesus Cristo.”

Hoje eu creio que não há maior chamado do que ser marcado como Seu escravo― optar por dar a minha vida em serviço ao Mestre a quem aprendi conhecer, amar e confiar. Por muitos anos, minha oração tem sido: “Oh, Deus, faça de mim uma mulher com um furo na orelha; quero ser identificada como uma escrava de Jesus Cristo.”

Agora, não pense que isso me faz uma pessoa super espiritual. Nada que Ele pede de mim poderia começar a pagar a dívida que eu lhe devo. Além disso, este coração que Ele me deu deveria ser ― e pode ser ― o coração de cada filho e filha de Deus.

 

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