Os efeitos colaterais da perda e o Evangelho que os cura

Quase dez anos se passaram desde que meu primeiro marido faleceu, e há muito deixei o vale da sombra da morte. Quase fui esmagada, mas agora volto a andar com cicatrizes irregulares, mas radiantes. Eu processei, processei e processei; conheço a beleza de uma vida restaurada.

Um segundo marido, três filhos enérgicos – a vida é rica e plena novamente, e a dor muitas vezes parece uma memória distante. Mas mesmo agora alguns efeitos colaterais da  perda, inesperados e de longo prazo, permanecem: medo, preocupação, constrangimento e vergonha, para citar alguns.

Recentemente precisei de uma cirurgia para remover um doloroso cisto ovariano, mas que felizmente era benigno. Ao mesmo tempo, meu marido tem uma massa inexplicável no braço e estamos aguardando os resultados da ressonância magnética e cirurgia. Preocupações médicas ainda suscitam uma pontada de medo seguida por seu primo próximo, a preocupação. Se você verificar o histórico de pesquisa do meu telefone, encontrará uma lista de sintomas. Meus dedos buscaram respostas e meu coração sintonizou o “pior cenário”. Eu estava à procura daquela palavra de seis letras que deveria ser uma palavra de quatro letras, câncer.

 

Uma onda inesperada de medo

Dado ao fato do meu primeiro marido ter falecido em uma sala de emergência depois que os sintomas passaram despercebidos e erros foram cometidos, faz sentido que eu seja mais cautelosa do ponto de vista médico. Que esse medo ainda pode facilmente me sobressaltar é inesperado, no entanto. Já faz quase uma década; não caminhei para uma vida nova e bela?

Enquanto eu chorava sozinha no meu carro, preocupação e medo se espalhando, também fiquei surpresa ao perceber que ainda estou respondendo ao trauma dos anos passados. Memórias de dor emocional tão intensa que se tornou física ainda se escondem nos cantos do meu coração.

Acho que, em parte, o “pior cenário” é me preparar para processar a morte se ela acontecer novamente. Se eu me preparar para o pior, talvez meu cérebro não fique entorpecido e nebuloso. Talvez eu não experimente tantas noites sem dormir, momentos de puro pânico, pesadelos, ansiedade, perda de apetite … Talvez eu não repetisse eventos traumáticos constantemente em minha mente. Certo?

Eu não quero voltar lá.

 

Desencaixotando camadas de luto

Intimamente relacionados ao medo e à preocupação estão o constrangimento e a vergonha. Sinto-me envergonhada quando “exagero” sobre um sintoma ou pareço fixada em encontrar a fonte de um problema. Preocupo-me com a forma como os médicos me percebem; Não quero parecer uma hipocondríaca. E sinto vergonha de que, mesmo agora, nem sempre tenho confiança inabalável no plano de Deus. Provavelmente existem alguns santos mais fortes do que eu por aí, mas às vezes ainda tenho medo de sofrer.

Quase uma década depois, a morte ainda me afeta. Estou surpresa que ainda existam camadas de luto para desencaixotar.

Deus mostrou tanta misericórdia e graça ao longo dos anos, poupando minha família de um grande sofrimento adicional. Nosso filho mais velho teve uma convulsão de trinta minutos (entre outras convulsões). Naquele mesmo ano, tive um descolamento de placenta na 24ª semana de gestação com nosso filho do meio, que foi milagrosamente foi curado. Apesar de mais complicações e internações hospitalares, consegui completar trinta e cinco semanas, quando minha bolsa estourou. Ambas as situações poderiam ter tido resultados terríveis. Eu implorei a Deus, mas estendi as mãos abertas: “Tu és bom. Sempre farás o bem.”

O martelo não bateu. Meu mundo não caiu. Mas ainda há uma parte de mim que espera por isso.

 

Agarre-se nessas quatro verdades quando o luto surge

Ao lidar com essas camadas de luto, ocorreu-me que, quando o luto surge inesperadamente, ainda preciso das mesmas verdades às quais me apeguei no início da minha jornada com a dor.

 

1. Manter um olho na eternidade

Ele destruirá a morte para sempre.

O Soberano Senhor enxugará as lágrimas de todo o rosto

e retirará de toda a terra a zombaria do seu povo.

Foi o Senhor quem disse!

Naquele dia dirão:

“Esse é o nosso Deus;

nós confiamos nele, e ele nos salvou.”  (Isaías 25.8–9)

Não fomos criadas para experimentar a morte, e não há nada de normal nisso. Lamentamos porque as coisas não são como deveriam ser.

Mas um dia tudo que está quebrado no mundo deixará de existir, inclusive a morte. O peso do sofrimento é opressivo, mas nem sempre será assim. Posso confiar que Deus cumprirá todos os Seus planos. A eternidade nos aguarda.

Posso confiar, mesmo que o meu mundo caia novamente, que a vida real sem tristeza e doença me aguarda. Como C. S. Lewis acreditava, este mundo é apenas uma sombra. Antecipamos o país real, o resto da história.

“Toda a vida deles neste mundo e todas as suas aventuras em Nárnia haviam sido apenas a capa e a primeira página do livro. Agora, finalmente, estavam começando o Capítulo Um da Grande História que ninguém na terra jamais leu: a história que continua eternamente e na qual cada capítulo é muito melhor do que o anterior.” – C.S. Lewis, A última batalha

Comparada a glória da eternidade, até nossa tristeza profunda se torna sofrimento leve e momentâneo (2 Coríntios 4:17). Diremos, “Esse é o nosso Deus, nós confiamos Nele.” (Isaías 25.9).

 

2. A graça da verdadeira comunidade

“Espere aí, amiga. Você passou por um trauma muito específico que naturalmente a deixaria mais preocupada com questões físicas. Deus sabe disso também.”

Essas palavras de uma amiga me libertaram da vergonha e do constrangimento. Eu não precisava me preocupar com a forma como meus queridos amigos me enxergam; eles não pensam menos de mim. Em vez disso, correr o risco de ser vulnerável rendeu bons frutos.

Esta amiga e outras me lembraram que Deus conhece meu coração e que há misericórdia na luta. Porque Jesus já morreu por todos os meus medos e preocupações, só conheço Sua graça. Só conheço o olhar de aprovação de Seus olhos.

Suas palavras também afirmavam que eu havia passado por algo que mudou minha vida, e é claro que isso ainda me afeta de vez em quando.

A verdadeira comunidade nos ajuda a lembrar o que é real quando somos incapaz de lidar com isso sozinhas.

 

3. Uma chamada à lembrança

No início da dor eu sabia que precisava me apegar ao caráter e à obra de Cristo. Assim como Jesus chorou com Marta e Maria, também chorou comigo. Ele sabia que ressuscitaria Lázaro, mas sentiu a tristeza deles com eles (João 11).

Além disso, se Deus não poupou Seu próprio Filho, Ele não poupará esforços onipotentes para fazer o bem a Seus filhos. Coisas ruins acontecem, e não há problema em reconhecê-las. Mas Deus pode redimir o que é ruim, traumático e trágico.

Sofrimento, como disse Ligon Duncan, é sobre a “sem limites e compassiva graça de Deus, onde Ele implacavelmente vai ao encalço de Seus servos para Sua glória e sua alegria eterna”.

 

De alguma forma, a noite mais horrível da minha vida foi a graça de Deus. Deus estava e está vindo implacavelmente atrás de tudo de mim. Ele quer tudo. E de alguma forma isso funciona para minha alegria eterna. Minha alegria! Ao levar Jon, Ele me mostrou muito mais de Cristo do que eu jamais teria compreendido ou pensado ser possível. Quando penso na noite em que minhas expectativas foram despedaçadas, posso dizer com confiança que Jesus foi e é o melhor, mesmo quando minhas emoções dizem o contrário. E se a destruição vier novamente, haverá novamente graça para dizer que Jesus é o melhor.

 

Quando a dúvida, o medo e a preocupação surgem, lembro-me da resposta de Jesus a João Batista em Mateus 11.

Quando João ouviu na prisão o que Cristo estava fazendo, ele enviou uma mensagem por meio de seus discípulos e lhe perguntou: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”

Jesus respondeu-lhes: “Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa”. (versos 2-6)

Primeiro, observe o que não está lá: repreensão. Ele nunca disse: “Vamos, João, sério? Cara, você é meu primo. E um profeta. E com certeza você já ouviu as histórias do seu nascimento e do meu. Você, de todas as pessoas, não tem motivos para duvidar.”

Não, nada disso está registrado.

Em vez disso, Jesus apenas deu evidências a João. O cego vê, o surdo ouve, o coxo anda. Ao instruir os discípulos a contar o que ouviram e viram, Ele chamou a atenção de João de volta para as Escrituras. Ele lhe deu segurança ao apontar que as profecias estavam se cumprindo.

Da mesma forma, não preciso temer repreensão ou desaprovação. Jesus amorosamente leva minha mente de volta à verdade.

Não há condenação para aqueles que estão em Cristo. O Espírito de Deus habita em mim e me lembra quem eu sou – uma filha adotiva, herdeira com todos os direitos e privilégios da filiação. Confesso meu medo, preocupação e vergonha diante do trono, e eles fogem quando a verdade obscurece as mentiras. A insegurança diminui contra a luz radiante do evangelho (Romanos 8).

 

4. A humildade da rendição

A luta é válida e até necessária, mas no final a rendição é doce. Eu sei quem é Deus. E eu sei que Ele é confiável.

Para a maioria de nós, o tipo de rendição que coloca marido e filhos diante do trono provavelmente não é uma coisa única. Experimentei isso antes, mas ao lidar com essa nova camada de dor, eu sabia que precisava abrir minhas mãos física e espiritualmente.

“Senhor, eu me rendo. Eles são seus. Pela graça não preciso temer a doença e a morte. Se você alguma vez os tomar, ainda será bom. Sua vontade, não a minha.”

“Paz, paz, aquiete-se”, o Espírito Santo sussurrou ao meu coração, e houve descanso.

Lembro-me de alguém mencionar que eu poderia sempre carregar um pouco de dor comigo. Eu esperava que ela não estivesse certa, mas acho que ela pode estar. Talvez a morte tenha deixado efeitos colaterais ao longo da vida. Talvez eu sempre lute contra a propensão ao medo e à preocupação. Mas a Palavra de Deus continua boa e verdadeira mesmo uma década depois. E se eu sempre carrego tristeza nesta vida, está produzindo um eterno peso de glória.

Sobre o Autor

Ami Atkins Wickiser

Ami Atkins Wickiser é escritora e mantém o blog whenmercyfoundme.com. Ela começou a escrever sobre tragédia como uma forma de processar seus pensamentos após a morte de seu primeiro marido, Jon, em 2013. Ami é casada com seu segundo grande amor, David, e eles têm três filhos. Os Wickisers servem na Redeemer Church em Waterloo, Illinois, nos Estados Unidos.