Tu és o meu refúgio
Sempre enches meu coração
Com cânticos de livramento
Quando tenho medo
Eu confiarei em Ti
Eu confiarei em Ti
Que o fraco diga
Eu sou forte
Na força do Senhor1
Essa música, composta por Michael Ledner e popularizada pelo grupo musical Selah, é baseada no Salmo 32.7.
Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges de alegres cantos de livramento. (Selá) (Sl 32.7, ARC)
Surpreendentemente, o contexto dessas palavras não é o livramento de um inimigo, mas o livramento do pecado por meio da confissão.
Companheiro do Salmo 51, o qual se tornou célebre por ter sido escrito por Davi em resposta à confrontação de Natã sobre seu pecado com Bate-Seba (veja 2 Samuel 11–12), o Salmo 32 é um salmo de arrependimento. No entanto, em vez de ser um exemplo de arrependimento, neste Salmo, Davi descreve o que acontece quando tiramos o pecado da escuridão e o confessamos a Deus. Ele começa mostrando suas cartas e nos revelando o tema do salmo logo no início com essas declarações ousadas:
Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada,
cujo pecado é coberto!
Bem-aventurado o homem
a quem o Senhor não imputa a iniquidade,
e em cujo espírito não há engano! (Sl 32.1–2)
Ou, parafraseando, Davi quer mostrar ao seu público que a vida boa é a vida perdoada.
A mão pesada de Deus
Mas Davi conhece, por experiência própria, o oposto da vida boa. Depois de cometer adultério com Bate-Seba e planejar o assassinato de seu marido (2 Samuel 11), Davi escondeu seu pecado por pelo menos um ano. Já havia se passado tempo suficiente para Bate-Seba ter o filho que concebera com Davi (2 Sm 11.5; 12.14–15). Talvez o “bebê” não fosse apenas um recém-nascido, mas até mesmo tivesse um ano, o que significaria que Davi escondeu seu pecado por ainda mais tempo. De qualquer forma, ele andou nas trevas por um longo período.
Ele conta sobre essa experiência nos versículos 3 e 4 do Salmo 32, descrevendo a “mão pesada” de Deus sobre ele:
Enquanto calei os meus pecados,
envelheceram os meus ossos
pelos meus constantes gemidos todo o dia.
Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim,
e o meu vigor secou como no calor do verão.
Davi termina essas linhas com um convite para que pausemos e reflitamos sobre o que ele acabou de nos dizer. Ele quer que meditemos no fato de que se recusar a se arrepender traz consequências inesperadas para todas as partes do nosso ser: a espiritual, a emocional e a física.
Esconder o pecado pode prometer refúgio e segurança, mas nunca vai cumprir sua promessa.
Confissão: a reviravolta
A experiência de Davi se inverte completamente no versículo 5, quando ele decide sair do esconderijo e reconhecer seu pecado, uma ideia que ele repete três vezes neste único versículo:
Confessei-te o meu pecado
e a minha iniquidade não mais ocultei.
Eu disse: “Confessarei ao Senhor as minhas transgressões”;
e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado.
Davi, novamente, chama os leitores a parar e ponderar sobre o que ele acabou de lhes dizer. Após pelo menos um ano fugindo e tentando ignorar a mão pesada de Deus sobre ele, Davi finalmente (com uma ajudinha de seu amigo profeta, Natã) confessa sua culpa. Mas, na verdade, esse não é o ponto central desse versículo.
É o que aconteceu a seguir.
Em apenas oito palavras, Davi dá esperança a todos nós que estamos escondidos nas sombras, cobertos com folhas de figueira como roupas. “E perdoaste a iniquidade do meu pecado”. Davi confessou. Deus perdoou. É simples desse jeito.
Mas a parte mais bela vem a seguir.
O refúgio do arrependimento
Davi encobriu seu pecado porque não queria enfrentar as consequências. Davi sabia que a Lei exigia que ele fosse condenado à morte por ter se deitado com a esposa de outro homem (Lv 20.10), e que, mesmo que recebesse clemência por isso (afinal, ele era o rei), ele havia matado um homem. Novamente, ele merecia a pena de morte (Ex 21.14). E mesmo que conseguisse usar sua posição real para evitar a execução, ele sabia que suas transgressões haviam desagradado a Deus. Como o Deus a quem ele tanto amava e servia poderia sequer olhar para ele novamente?
Davi sabia que merecia a mesma punição que Adão, Eva e Caim — o banimento.
Então, ele fugiu. E se escondeu.
Mas quando ele confessou, Deus não o baniu. Ele o perdoou. E, melhor ainda, Deus se tornou um refúgio para Davi. Em vez da mão pesada de Deus e da perda de sua vitalidade, Davi encontrou conforto, segurança e consolo.
Sendo assim, todo o que é piedoso
te fará súplicas em tempo de poder te encontrar.
Com efeito, quando transbordarem muitas águas,
não o atingirão.Tu és o meu esconderijo;
tu me preservas da tribulação
e me cercas de alegres cantos de livramento. (Sl 32.6–7)
Salvo das muitas águas
A pessoa arrependida encontra proteção, primeiramente, das muitas águas. Davi, provavelmente, usa essa imagem para descrever problemas e provações ou, talvez, as consequências trazidas pelo seu pecado. Embora Deus não tenha exigido a vida de Davi por seus pecados, Ele tomou a vida do menino recém-nascido. E esse foi apenas o início da enchente. A espada nunca se afastou da casa de Davi. As tribulações seguiriam Davi e seus filhos por toda a sua vida. Mas, no refúgio do arrependimento, ele não seria afogado por esse dilúvio.
Proteção da tribulação
O próximo versículo, então, pode parecer uma contradição. Como Deus protegeu Davi da tribulação? De 2 Samuel 12 até o final do livro, Davi se depara com um problema após o outro. Deus não afastou as tribulações de Davi, mas lhe proporcionou a fortaleza para suportá-los — a casa construída sobre a rocha que não desabou com o impacto das ondas. Davi encontrou refúgio contra Deus (e a Sua ira) no próprio Deus.2
Cercado com cantos de livramento
Não faltava a Davi familiaridade com cantos de livramento — ele escreveu vários deles — e passou por um bom tanto de situações difíceis onde viu a poderosa mão de Deus libertá-lo. Mas o canto de livramento que Deus canta sobre nós é nada mais, nada menos que a doce canção do Evangelho.
Canções como Romanos 8.1, 38–39:
Agora, pois, já não existe nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus . . . Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.
E Hebreus 7.25,
Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder por eles.
E o “brado de alegria” de Cristo na cruz:
“Está consumado!” (Jo 19.30)
Se você está escondendo pecado e definhando nas trevas, ouça o convite do rei pastor, que sabia tudo sobre se esconder. Vou deixá-lo dar a última palavra:
Muitos são os sofrimentos do ímpio,
mas o que confia no Senhor,
a misericórdia o cercará.
Alegrem-se no Senhor e regozijem-se, ó justos;
exultem, todos vocês que são retos de coração. (Sl 32.10–11)
Clique aqui para ler o original em inglês.
1 LYRICS.COM. You Are My Hiding Place. Selah. Último acesso em: 8 dez. 2022. Disponível em: https://www.lyrics.com/lyric/7037600/Selah/You+Are+My+Hiding+Place.
2 TOZER, A.W. The Knowledge of the Holy. San Francisco: HarperSanFrancisco, 1961. p. 107.